Parte 1.
1 SITUAÇÃO CONCRETA: FRAUDES EM LICITAÇÕES E A CONDENAÇÃO DE MILITARES E CIVIS: O CASO NO INSTITUTO MILITAR DE ENGENHARIA
Na primeira quinzena de abril deste ano, exatamente em 12.4.2022, os ministros do Superior Tribunal Militar, por unanimidade, mantiveram as condenações de 5 oficiais – Coronel (2), Tenente-Coronel (1), Major (1), Capitão (1) – e 2 civis, cujo quantum das penas de reclusão variaram de 16 anos e 8 meses – mais alta – até 5 anos e 11 meses.
A questão fática que desaguou nas referidas condenações foi a apuração de fraudes em licitações e contratos ocorridos no âmbito do Instituto Militar de Engenharia, no período de 2004 e 2005, após denúncias divulgadas em jornal de grande circulação.
É importante frisar que, apesar de as referidas condenações decorrerem de fraudes em processos licitatórios, essas elevadas penas aplicadas foram consubstanciadas em crimes de peculato-desvio e não nos crimes da antiga Lei de Licitações – Lei nº 8.666/1993 –, vigente à época dos fatos.
Se fosse aplicada a antiga legislação, é possível que os referidos crimes estariam prescritos.
Para superar essa causa de extinção da punibilidade – prescrição –, o Ministério Público Militar denunciou os militares e os civis como tendo cometido o crime de peculato-desvio, previsto no art. 303, § 1º, do Código Penal Militar, cuja pena de reclusão varia de 3 a 15 anos, com a possibilidade de aumento de um terço.
A técnica adotada pelo Ministério Público Militar é uma forma de acusação interessante, pois o crime considerado menor – fraude em licitação – acaba sendo absorvido pelo crime militar de peculato-desvio, considerado maior e mais grave, inclusive a pena é mais alta, o que eleva os patamares da possibilidade de prescrição pela pena em abstrato.
Então, os agentes condenados na ação penal militar acima responderam, durante toda a instrução processual em primeira instância por um único crime – peculato-desvio –, e não como dois crimes separados.
2 A NOVA DISCIPLINA DOS CRIMES EM LICITAÇÃO E CONTRATOS TRAZIDA PELA LEI Nº 14.133/2021.
Entrando diretamente no tema, os crimes que envolvem licitação e contratos administrativos sofreram grandes alterações produzidas pela Lei. nº 14.133, publicada em 1º de abril de 2021.
Esta novel legislação, além de trazer outro regime jurídico ao procedimento licitatório e aos contratos administrativos, retirou do “corpo” da lei de licitação o capítulo que disciplinava os crimes e transferiu para o Código Penal (CP).
Dentro do CP, no título que trata dos crimes contra a Administração Pública, foi criado o capítulo II-B, o qual passou a reger os delitos envolvendo licitações e contratos administrativos. Ou seja, migrou da legislação especial, passando a ser tratados no próprio CP, além de prevenir de novas condutas criminosas – art. 337-E ao art. 377-P.
Dessa forma, os crimes antigamente previstos na Lei nº 8.666/1993 – art. 89 ao art. 108 – foram revogados, passando a vigorar as alterações trazidas agora pelo CP, apesar da antiga lei de licitações permanecer em vigência por mais 2 (dois) anos.
Com a publicação da Lei nº 14.133/2021, os crimes previstos na Lei nº 8.666/1993 foram revogados, a parte que permanece válida na antiga norma não engloba os ilícitos.
É importante frisar que as alterações promovidas, em especial a colocação das figuras delitivas no corpo do Código Penal, vêm superar antiga dilema a respeito da prévia reparação de dano provocado à Administração Pública para viabilizar a progressão de regime no caso de condenação criminal.
Dos Delitos em Espécie, vejamos o art. 337-E – estava previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 –, que trata da CONTRATAÇÃO DIRETA ILEGAL.
Segundo a nova previsão do art. 337-E do CP é crime “admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei.” A pena prevista para esse crime é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. A figura correspondia ao art. 89 da Lei n 8.666/1993, que dispunha da seguinte forma: “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.”
Neste ponto, cabe recordar que o gênero é a contratação direta, sendo a dispensa e a inexigibilidade espécies.
Em síntese houve o recrudescimento da resposta penal aos crimes em licitação e contratos administrativos. Na antiga Lei nº 8.666/93, a maioria dos crimes era punido com pena de detenção e, assim, o regime mais grave começava com semiaberto. Agora, com a Lei nº 14.133/2021, passou a aplicar a pena de reclusão, cujo regime é o fechado em alguns casos.
Acrescente-se, que haverá um aumento do prazo prescricional como consequência, e por ser norma penal mais gravosa, há a proibição de aplicação retroativa.
3 CONCLUSÃO DA PARTE 1: HOUVE AGRAVAMENTO DAS PENAS
Na conclusão desta primeira parte, registra-se que a nova lei de licitações agravou as sanções para patamares mais elevados, quando se compara com a Lei nº 8.666/1993.
Os regimes aumentaram, passando de detenção para reclusão. O quantum da pena era de 3 (três) até 5 (cinco) anos e, agora, passou para o intervalo de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
É importante frisar que os crimes em licitações são praticados por meio doloso – não há culpa –, mas é exigido o dolo específico ou especial fim de agir, o qual deve trazer e descrever a finalidade de causar dano ao erário.
A jurisprudência do STJ e do STF já estava consolidada sobre a necessidade de trazer essa demonstração do dolo específico ou o especial fim de agir nesse tipo penal.
Por fim, no tocante aos crimes previstos pela nova Lei de Licitações e Contratos, com essa remessa para o corpo do Código Penal, o agravamento das penas e outras modificações pontuais, devemos acompanhar a evolução da jurisprudência para verificar como será aplicada a norma.