A Nova Lei nº 14.133/2021 e os Crimes Militares.
Caso concreto: Sentença Absolutória reformada pelo Superior Tribunal Militar, por consequência, condenação de oficiais e civis por estelionato.
1 CASO OCORRIDO NA AERONÁUTICA: REFORMA DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA E CONDENAÇÃO DE 2 OFICIAIS E DE 2 CIVIS DECORRENTE DE FRAUDES EM LICITAÇÕES, ABSORVIDAS PELO CRIME DE ESTELIONATO
Em 24.2.2022, os ministros do Superior Tribunal Militar (STM) julgaram embargos infringentes opostos pelo Ministério Público Militar, pelo qual buscava aumentar a condenação,já provida em apelo ministerial que reformara sentença absolutória lavrada por insuficiência de provas.
O caso concreto regressa ao ano de 2007, tendo a denúncia sido recebida em 12.9.2011, quando apontou que houve fraude licitatória realizada pela Diretoria de Engenharia da Aeronáutica. A fraude deu-se por meio da adesão a pregões que tinham como objetivo adquirir materiais de informática, porém esses insumos não foram entregues pela empresa, sendo o prejuízo total de R$ 2.105.133,80.
No julgamento em primeira instância, o Conselho Especial de Justiça para a Aeronáutica, por maioria de votos (4×1), absolveu os acusados 2 coronéis e 2 civis, com o fundamento de não existir prova suficiente para a condenação.
O Ministério Público Militar interpôs apelação que foi provida pelo STM, modificando a situação dos réus, aplicando-lhes as penas de 4 anos e 6 meses aos dois coronéis; de 3 anos e 3 meses para um civil; e de 2 anos e 8 meses ao outro civil. O crime de fraude à licitação foi absorvido pelo crime de estelionato que possui reprimendas mais elevadas.
Registra-se que as condutas dos réus estavam consubstanciadas em fraudes realizadas em processos licitatórios, mas a denúncia foi oferecida com o desenho das elementares do crime de estelionato e não nos crimes da antiga Lei de Licitações – Lei nº 8.666/1993 –, vigente à época dos fatos.
Logo, se houvesse sido aplicada as sanções previstas na antiga legislação licitatória, possivelmente os delitos estariam prescritos. A superação da prescrição decorre com a denúncia dos agentes como tendo cometido o crime de estelionato, previsto no art. 251 do Código Penal Militar, cuja pena de reclusão varia de 2 a 7 anos, com a possibilidade de ser agravada se o crime for cometido em detrimento da administração militar.
Mais um caso em que o Ministério Público aplica a técnica da consunção, onde o crime considerado menor – fraude em licitação considerado crime meio – acaba sendo absorvido pelo crime militar de estelionato, considerado maior e mais grave, inclusive a pena é mais alta, o que eleva os patamares da possibilidade de prescrição.
Portanto, os réus condenados na referida ação penal militar responderam pelo cometimento de um único crime – estelionato.
2 A ANÁLISE DOS CRIMES EM ESPÉCIE ENVOLVENDO PROCESSOS LICITATÓRIOS PELA LEI Nº 14.133/2021
No artigo anterior – parte 1 – tratou-se de aspectos gerais dos crimes envolvendo licitação, já abordado o art. 337-E, agora prosseguimos na análise dos demais crimes em espécie (crime por crime).
O delito de FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO, previsto no art. 337-F do CP, correspondia ao revogado art. 90 da Lei nº 8.666/1993.
Assim está a redação do art. 337-F do CP: “frustrar ou fraudar, com intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório”. A pena é reclusão de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos e multa.
Aqui também houve o recrudescimento da pena, que passou de detenção para reclusão, onde os patamares mínimo e máximo foram dobrados ao compará-los com os do art. 90 da Lei nº 8666/93. Dessa forma, não é mais possível a celebração de acordo de não-persecução penal (ANPP, art. 28-A do CPP), o qual exige pena mínima inferior a 4 anos.
A investigação para imputar responsabilidade deverá apontar os fatos que o agente frustrou ou fraudou o caráter competitivo do processo licitatório, ou seja, conseguiu impedir a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
O crime pode ser praticado por qualquer pessoa – crime comum –, é doloso e exige um especial fim de agir, configurado na intenção de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto de licitação. Não há modalidade culposa.
A doutrina e a jurisprudência entendem que basta a demonstração deste especial fim de agir para a sua consumação, tratando-se de crime formal, sendo desnecessária a efetiva obtenção da vantagem – mero exaurimento do crime.
Exemplos de situações que deflagram a investigação para apurar a ocorrência do crime: 1) inserção de cláusulas discriminatória; 2) ajustes entre participantes, como o objetivo de fazer rodízio na contratação com o Poder Público, por meio do conhecimento prévio das propostas uns dos outros etc.
Passamos ao delito de PATROCÍNIO DE CONTRATAÇÃO INDEVIDA, previsto no art. 337-G do CP, era o antigo art. 91 da Lei nº 8666/1993.
O art. 337-G prevê que é crime “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração Pública, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário”. A pena será de reclusão de 6 (seis) meses até 3 (três) anos e multa.
Verifica-se que há idêntica redação ao art. 91 da Lei nº 8666/1993, havendo uma clara continuidade típico-normativa, ocorrendo tão somente, e mais uma vez, o aumento da pena cominada.
O crime previsto no art. 337-G é uma modalidade especial de advocacia administrativa. Neste crime é possível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n 9099/1995) e o acordo de não persecução penal (ANPP do art. 28-A do CPP).
O crime é praticado quando há o favorecimento, o amparo ou a proteção para a contratação, ou seja, o patrocínio. Esse crime geralmente é praticado por funcionário público que, valendo-se da qualidade funcional, defende interesse privado.
Aqui é importante frisar que se houver a invalidação da licitação ou do contrato pelo Poder Judiciário é condição objetiva de punibilidade, ou seja, condição necessária para a instauração da ação penal. No entanto, se a invalidação ocorre somente no âmbito administrativo não ocorre a tipificação da conduta criminosa.
O crime é doloso e não há modalidade culposa. É necessário que a conduta do agente gere um resultado no mundo dos fatos (anulação), tratando-se, pois, de um crime material.
3 CONCLUSÃO DA PARTE 2: ORIENTAÇÕES PONTUAIS
Frisa-se que a Lei nº 14.133/2021 aumentou as sanções penais.
O administrador público – ordenador de despesas – deve atentar para o fiel cumprimento dos princípios que regem a novel legislação, em especial, atentar para o planejamento, a transparência e a segregação de funções dentre outros, pois houve ampliação nesse rol.
À vista disso, a questão do planejamento prévio e documentado, como também a estrita vinculação ao edital e o respeito à segregação de funções servirão de provas materiais para diluir a responsabilização pessoal do referido agente, caso decorram crimes nos procedimentos licitatórios.
Como dito, os crimes em licitações são praticados por meio doloso, com descrição pormenorizada da finalidade de causar dano ao erário.
Ainda quanto aos crimes previstos pela nova Lei de Licitações e Contratos, a importância do respeito às cláusulas definidoras de riscos e de responsabilidades – matriz de riscos – poderão servir de elemento probatório para minimizar o agravamento das penas em caso de condenação dos agentes públicos envolvidos.
Por fim, outras orientações pontuais serão elencadas nos próximos artigos desse tema.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm>. Acesso em 23 de maio de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Embargos Infringentes e de Nulidade nº 7000838-64.2019.7.00.0000. Relator Ministro Ten Brig Ar Francisco Joseli Parente Camelo. Revisor Ministro Dr. Artur Vidigal de Oliveira. Julgado em 24.2.2022. Disponível em <https://jurisprudencia.stm.jus.br>. Acesso em 23 de maio de 2022.