1 Introdução
Famílias inteiras, sobretudo mulheres idosas e dependentes, estão vivendo em estado de insegurança jurídica por conta de um entendimento recente do Tribunal de Contas da União (TCU), que coloca em xeque o direito ao acúmulo de pensões militares amparado por décadas de prática administrativa estável.
Veja esse questionamento:
– “Doutor, minha mãe tem 84 anos. Sempre recebeu as duas pensões do meu avô e do meu pai, ambos militares de carreira. Agora, chegou uma carta falando em devolução de valores e possível cancelamento. Isso é legal?
Essa é uma pergunta que tem se tornado assustadoramente comum. E o impacto disso é profundo — humano, jurídico e financeiro.
Como já escrevi em outros artigos, no seio do Direito Militar Previdenciário, poucas matérias são tão sensíveis — e, ao mesmo tempo, tão desafiadoras — quanto a discussão acerca da possibilidade de acúmulo de pensões militares.
Neste artigo, vamos mergulhar mais um pouco sobre a manutenção e a extinção de benefícios trazidos no contexto da Medida Provisória nº 2.215-10/2001 e da Lei nº 3.765/1960.
2 O Contexto Normativo: o Que Diz a Lei?
O direito à pensão militar é regido pela Lei nº 3.765/1960, a qual, em sua redação original, previa expressamente no art. 29 a possibilidade de acumular duas pensões militares, desde que oriundas de vínculos distintos (por exemplo, pai e esposo).
Com a edição da MP nº 2.215-10/2001, houve uma reformulação substancial do sistema de previdência dos militares, extinguindo-se o direito ao acúmulo para os novos beneficiários, mas preservando o direito dos que optassem pela contribuição adicional de 1,5%, conforme previsão do seu art. 31, que trata da “manutenção dos benefícios da legislação anterior”.
Ou seja:
- Quem já era militar ou beneficiário à época da MP;
ii) E optou formalmente pela contribuição extra de 1,5%;
- Manteve o direito ao rol completo de benefícios da Lei nº 3.765/60, inclusive o acúmulo de pensões previsto no art. 29.
Esse é o entendimento consolidado por mais de 20 anos pela Administração Militar.
E não por acaso, porque o termo “manter os benefícios” da legislação castrense anterior não se restringia apenas a questão da pensão militar para as filhas, mas sim, os demais benefícios que foram suprimidos com a edição da MP nº 2.215-10/2001.
3 O Novo Entendimento do TCU: Uma Ruptura Silenciosa
Desde o avanço da Fiscalização Contínua das Folhas de Pagamento, o TCU vem questionando esse acúmulo com base na seguinte tese:
O art. 31 da MP 2.215-10/2001 não teria incluído o direito ao acúmulo como um “benefício” propriamente dito — restringindo a interpretação ao rol de beneficiários e não aos direitos associados.
Essa visão, embora tecnicamente embasada por uma leitura restritiva da norma, desconsidera princípios elementares do Direito Administrativo e Previdenciário, como:
- A proteção da confiança legítima;
ii) A irretroatividade das normas mais gravosas;
iii) A vedação ao confisco e à surpresa;
iv) O respeito aos direitos adquiridos e às regras de transição consolidadas;
A vigência desses princípios demonstra a legalidade da possibilidade de acúmulo prevista no art. 29, da Lei nº 3.765/1960, e não somente à condição de beneficiários da pensão militar, como pretendido pela interpretação subjetiva da equipe auditora do TCU, desprovida de amparo legal.
Com isso, os militares que optaram formalmente pela contribuição extra de 1,5%, mantiveram o direito ao rol completo de benefícios da Lei nº 3.765/60, com fundamento no art. 31 da MP 2.215-10/2001.
Portanto, a supressão desse rol de benefícios não pode ser suprimida pelo entendimento subjetivo do TCU. Os militares e/ou as pensionistas lesadas por essa interpretação, como o caso da pensionista citada na introdução, devem levar as questões até o Poder Judiciário para consolidar e pacificar o tema.
4 O Impacto Real: Insegurança e Adoecimento Silencioso
Nessa situação, estamos falando de milhares de mulheres que:
- São viúvas de militares que serviram ao país;
ii) Têm idade avançada e pouca ou nenhuma renda alternativa;
iii) Foram instruídas a confiar no Estado e no sistema previdenciário militar;
iv) Hoje enfrentam notificações, cobranças e ameaças de corte, muitas vezes sem sequer compreender do que estão sendo acusadas.
Como se sabe, isso gera efeitos emocionais devastadores: crises de ansiedade, sensação de culpa, vergonha diante da família e o medo constante de perder a única fonte de subsistência.
5 O Que Fazer? Caminhos Jurídicos e Administrativos Existem
Cada caso deve ser analisado individualmente, mas algumas ações são fundamentais:
5.1 Verificar se houve a opção formal pelo adicional de 1,5%;
5.2 Analisar o histórico da concessão de pensão e documentos administrativos;
5.3 Observar se a pensionista renunciou a outro benefício com base nesse direito;
5.4 Reunir provas do tempo e da estabilidade do pagamento;
5.5 Buscar a preservação do direito pela via administrativa e judicial, com base na segurança jurídica e boa-fé objetiva.
Importante lembrar: ações de devolução ou cancelamento sem processo prévio e ampla defesa são inconstitucionais. E existem precedentes judiciais reconhecendo o acúmulo legítimo nessas condições, além do recebimento de boa-fé durante todo o período concedido por meio do Título de Pensão Militar.
Assim, tentar reverter esse benefício hoje, após décadas de consolidação, seria subverter os pilares da segurança jurídica e do devido processo legal, que deve ser buscado o direito na justiça.
6 Conclusão: Defender os Seus Direitos é Defender o Estado de Direito
A interpretação jurídica não pode ser desumana. O respeito ao direito adquirido é um mantra do Estado Democrático de Direito.
Ademais, ninguém pode ser punido por confiar no próprio país. Muito menos, mulheres idosas que já contribuíram para a Nação, direta ou indiretamente. Se você atua na área militar, previdenciária ou administrativa, precisa acompanhar esse debate.
Se você tem uma mãe, esposa ou familiar que acumula pensões militares, é hora de buscar orientação jurídica.
A proteção de um direito legítimo começa com o conhecimento e a ação rápida.