E apresenta-lhe o mandado de Prisão/Busca e Apreensão e lhe conduz à delegacia?
Há abuso de autoridade quando, às 6h da manhã, a polícia ingressa em sua casa, apresenta-lhe o mandado de Prisão/Busca e Apreensão e lhe conduz à delegacia?
1 A POLÍCIA CHEGA À SUA CASA, TOCA A CAMPAINHA E LHE APRESENTA O MANDADO DE PRISÃO, SEGUINDO A BUSCA E APREENSÃO EM SUA CASA/TRABALHO
Temos visto diversas operações policiais nas condições apresentadas no título desse capítulo.
Para que isso seja possível, é necessário que haja a expedição de ordem judicial, a qual autoriza a polícia a realizar os procedimentos estabelecidos no mandado.
A confecção do mandado judicial, por meio do qual a polícia está autorizada a levá-lo, compulsoriamente para a Delegacia ou para o quartel, se você for militar, decorre da instauração de um procedimento investigatório sigiloso e precedente – IPM ou IPL.
O chamado “fator surpresa” desses atos, é utilizado para que a pessoa conduzida preste as declarações perante a autoridade policial sem pensar muito, ante ao choque dessa invasão de sua privacidade. O ato logo cedo – às 6 horas – serve para causar esse impacto a fim de “extrair” o máximo de informações sobre os fatos apurados, sem dar a oportunidade de o cidadão pensar em respostas mais elaboradas.
O “fator surpresa” também tem o objetivo de evitar o contato do cidadão conduzido com outros investigados no mesmo inquérito policial.
É por essa razão que as ordens judiciais são cumpridas logo no início do dia, por volta das 6h, atingindo todas as pessoas investigadas naquele inquérito policial ao mesmo tempo. A busca e apreensão estende-se pela residência e pelo local de trabalho de todos.
Normalmente, o pedido dessa ordem é feito pela autoridade policial – delegado ou encarregado do IPM – ou pelo promotor de justiça ao juiz criminal.
O estrago em sua vida pessoal e profissional é imensurável.
A imprensa, ávida por notícias de primeira mão, reporta os fatos à sociedade, aumentando o desconforto da pessoa que está envolvida nessa situação.
2 DEPOIS DE TODO ESSE CONSTRANGIMENTO, DESCOBRE-SE QUE A INVESTIGAÇÃO EM ANDAMENTO NÃO TINHA INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIME, O OBJETIVO ERA DE NATUREZA PESSOAL
O triste episódio trouxe imensos reflexos na vida da pessoa submetida a esse constrangimento, a qual teve a sua privacidade invadida por um ato ilegal.
Para situações como essa, foi editada a Lei nº 13.869/2019, que dispôs sobre os crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos. Tais autoridades, quando abusem do poder que lhe tenha sido atribuído, responderão pelo crime de abuso de autoridade.
Ademais, antes dessa investigação, foram instauradas duas sindicâncias preliminares, as quais atestaram que não houve indícios de crime ou de contravenção penal apontada na conduta dos investigados.
A autoridade de polícia judiciária determinou o arquivamento dos autos, sem a instauração de inquérito policial por falta de justa causa.
No entanto, o novo delegado assumiu o cargo na corregedoria e, aos estudar os processos arquivados, identificou o cidadão Alfeu, seu inimigo pessoal.
Com isso, trouxe uma prova colhida em outro processo e acrescentou na sindicância, como sendo um dado novo, com o fim de responsabilizar criminalmente Alfeu.
Após isso, o delegado instaurou procedimento inquérito policial em desfavor de Alfeu, sabendo que não havia qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa. Na sequência dos atos, pediu ao juízo a expedição de mandado de busca e apreensão com condução coercitiva para prestar esclarecimentos na delegacia.
Alfeu constituiu o seu advogado que o acompanhou durante toda essa trama.
Os autos foram encaminhados ao ministério público.
O advogado de Alfeu requereu cópia dos autos para estudar e realizar a investigação defensiva, visando esclarecer e demonstrar, de plano, a inocência de seu cliente.
O causídico apresentou memoriais ao Promotor de Justiça responsável pelo caso.
Depois de o Parquet analisar tudo o que fora apreendido na busca e apreensão e nas declarações colhidas nos interrogatórios, manifestou-se pelo arquivamento do inquérito instaurado contra Alfeu.
O Juízo acolheu a manifestação ministerial e decidiu arquivar o inquérito aberto contra Alfeu.
A decisão transitou em julgado.
3 É POSSÍVEL A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CONTRA O DELEGADO POR ABUSO DE AUTORIDADE?
SIM.
Verificou-se que o Delegado de Polícia instaurou o inquérito com a finalidade específica de prejudicar Alfeu, por mera satisfação pessoal, a título de vingança.
Para a configuração de abuso de autoridade, sempre serão verificados alguns pontos importantes a seguir delineados:
1º PONTO:
Os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade, Lei nº 13.869/2019, exigem um elemento subjetivo (elemento psíquico que move a conduta) diverso do dolo. Além do dolo (vontade), há a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou um terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. (art. 1º, §1º).
Ou seja, quando o Ministério Público apresentar a denúncia (peça processual jurídica inicial na ação penal) contra o Delegado, no caso hipotético acima, na descrição da conduta supostamente praticada pelo agente, deverá, obrigatoriamente, ter sido feito menção a esse elemento especial (a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou um terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal), além da descrição da ocorrência da conduta que caracteriza o crime de abuso de autoridade, sob pena de nulidade da denúncia.
2º PONTO
O art. 27 da Lei de Abuso de Autoridade descreve como crime “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”.
É a tipificação do caso hipotético apresentado acima, ou seja, que o abuso de autoridade foi praticado com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo ou terceiro, por mero capricho ou de satisfação pessoal.
Além disso, deve ocorrer uma total ausência de provas ou indícios que não justificariam a abertura da investigação, aí sim caracterizando-se o abuso de autoridade.
3º PONTO
O art. 31 prevê como crime “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”. O parágrafo único ainda prevê que “incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.”
Aqui o cuidado que se deve ter é em razão do termo “injustificadamente” o qual deverá ser analisado e contextualizado no caso concreto, não bastando o mero transcurso do prazo (numericamente), mas se faz necessário a análise de todo o contexto como por exemplo: complexidade dos fatos apontados, números de investigados ou testemunhas, o cumprimento em tempo adequado de todas as diligências, se houve ou não atividade procrastinatória da defesa de algum investigado.
Neste ponto, a investigação defensiva realizada pelo advogado poderá esclarecer esse termo “injustificadamente” para o seu cliente.
Dessa forma, para se apontar qualquer conduta irregular do Delegado ou do Encarregado do Inquérito a fim de caracterizar sua conduta como criminosa mostra-se necessário vencer, ultrapassar, todos esses elementos. Essa interpretação é inferida pela descrição prevista no art. 1º, §1º (finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou um terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal).
4º PONTO
Os crimes de abuso de autoridade, cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, admitirão a aplicação do acordo de não-persecução penal (ANPP – art. 28-A do CPP, atendido os demais requisitos legais).
5º PONTO
MUITO CUIDADO.
Representações indevidas por abuso de autoridade podem (noticiar a ocorrência de um crime sem fundamento), em tese, caracterizar o crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP – Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente).
Representações indevidas por abuso de autoridade contra juiz, promotor de justiça, delegados ou agentes públicos em geral, não gera, por si só, a suspeição (situação na qual os agentes públicos são colocados em dúvida para tomar decisão ou atuar no processo) ante a aplicação a regra que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (art. 256 – CPP – Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.)
Além disso, é passível de ação civil por danos morais (dano civil indenizável – art. 953 do CC – Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso).
Caso o reclamante (denunciante) seja funcionário público pode ser responsabilizado por infração administrativa.
4 CONCLUSÃO
Enfim, é possível a instauração de processo por abuso de autoridade contra: i) servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; ii) membros do Poder Legislativo; iii) membros do Poder Executivo; iv) membros do Poder Judiciário; v) membros do Ministério Público; e vi) membros dos tribunais ou conselhos de contas.
A ideia desse breve artigo foi apenas passar algumas informações sobre pontos importantes trazidos pela nova Lei de Abuso de Autoridade, que é extensa, e muitas vezes de leitura complexa para aqueles que não são afetos à área jurídica.