Militares Que Respondem à Processos Devem Aceitar a Proposta de Acordo de Não Persecução Cível? Quais as Consequências?

Introdução

O Acordo de Não Persecução Civil (ANPC), introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), representa um importante instrumento de resolução consensual de conflitos em casos de improbidade administrativa.

Ao possibilitar a celebração de um acordo entre o Ministério Público e o agente acusado, mediante o cumprimento de certas condições, o ANPC busca a reparação do dano causado ao erário e a imposição de outras sanções, evitando a morosidade e os custos de um processo judicial.

A aplicação do ANPC aos militares, no entanto, suscita debates e exige uma análise cuidadosa das peculiaridades da carreira castrense e das normas específicas que regem a conduta e a responsabilidade dos membros das Forças Armadas.

Este artigo visa explorar a aplicabilidade do ANPC aos militares e suas possíveis repercussões nos âmbitos administrativo (inclusive disciplinar), penal e civil.

Aplicabilidade do ANPC aos Militares: Peculiaridades e Desafios

A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), que fundamenta a celebração do ANPC, não faz distinção entre agentes públicos civis e militares.

Em princípio, portanto, nada impede a aplicação do ANPC aos militares que praticarem atos de improbidade administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais, como a ausência de dolo na conduta, a integral reparação do dano e o ressarcimento ao erário, entre outros.

            No entanto, a aplicação do ANPC aos militares esbarra em algumas particularidades inerentes à sua condição:

            1) Regime Disciplinar Rigoroso: Os militares estão sujeitos a um regime disciplinar específico e rigoroso, regido por regulamentos próprios (como o Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, o Regulamento Disciplinar da Marinha – RDM e o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – RDAER). A prática de atos que configuram improbidade administrativa pode, concomitantemente, constituir transgressão disciplinar, sujeitando o militar a sanções administrativas que variam desde a advertência até a expulsão.

            2) Hierarquia e Disciplina: Os princípios da hierarquia e da disciplina são pilares da estrutura militar. A celebração de um ANPC por um militar pode ser interpretada, em certos casos, como um reconhecimento de conduta inadequada, com potenciais impactos na sua carreira e na manutenção da disciplina dentro da instituição. Já que o ressarcimento do dano, decorrente de seu reconhecimento pelo agente público são requisitos essenciais para o ANPC.

            3) Justiça Militar: Os crimes militares são julgados pela Justiça Militar, que possui legislação processual e penal específica (Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar). A interface entre a improbidade administrativa e os crimes militares pode gerar complexidades na aplicação do ANPC.

Repercussões nos Processos Administrativos (Inclusive Disciplinares)

A celebração de um ANPC por um militar pode ter diversas repercussões no âmbito administrativo e disciplinar.

1) Processo Disciplinar: A existência de um ANPC não impede, necessariamente, a instauração ou o prosseguimento de um processo disciplinar para apurar a conduta do militar sob a ótica disciplinar. Isso ocorre porque a improbidade administrativa e a transgressão disciplinar são esferas distintas, com seus próprios pressupostos e sanções. No entanto, os fatos apurados no inquérito civil que culminou no ANPC podem servir como prova no PAD.

2) Sanções Disciplinares: Mesmo com a celebração do ANPC e o cumprimento de suas condições, o militar ainda poderá ser responsabilizado administrativamente, caso a conduta configure transgressão disciplinar. As sanções disciplinares serão aplicadas de acordo com os regulamentos específicos de cada Força Armada, levando em consideração a natureza e a gravidade da transgressão.

3) Impacto na Carreira: A celebração de um ANPC, especialmente em casos de maior gravidade, pode gerar um impacto negativo na carreira do militar, influenciando promoções, designações para funções de comando e a sua permanência nas fileiras.

Repercussões no Processo Penal (comum ou militar)

A relação entre o ANPC e o processo penal envolvendo militares é complexa:

1) Independência das Esferas:* Em regra, as esferas administrativa, civil (improbidade) e penal são independentes. Assim, a celebração de um ANPC não impede a instauração de uma ação penal, caso a conduta do militar configure crime, seja ele comum ou militar.

2) Utilização de Provas: As provas produzidas no inquérito civil que levou à celebração do ANPC podem ser utilizadas no processo penal, desde que observadas as regras processuais penais.

3) Possível Extinção da Punibilidade: Em casos específicos, como nos crimes contra a ordem tributária (Lei nº 9.249/95), o pagamento integral do débito tributário antes do recebimento da denúncia pode extinguir a punibilidade. A aplicação de um raciocínio análogo em casos de improbidade que envolvam dano ao erário e a sua integral reparação no ANPC poderia gerar debates sobre a extinção da punibilidade em eventual ação penal conexa. No entanto, essa é uma questão ainda controversa na jurisprudência.

Repercussões no Processo Civil (Ação de Improbidade Administrativa)

O ANPC tem como objetivo principal evitar a propositura ou o prosseguimento da ação de improbidade administrativa:

1) Extinção da Ação: O cumprimento integral dos termos do ANPC acarreta a extinção da ação de improbidade administrativa.

2) Reparação do Dano: O ANPC busca prioritariamente a reparação integral do dano causado ao erário, o que é uma das principais finalidades da ação de improbidade administrativa.

3) Outras Sanções: Além da reparação do dano, o ANPC pode prever a aplicação de outras sanções previstas na LIA, como o pagamento de multa civil, a perda da função pública e a proibição de contratar com o poder público, de forma negociada entre o Ministério Público e o agente.

Quais as Consequências de o Militar Aceitar o ANPC?

A aplicação do Acordo de Não Persecução Civil aos militares representa um avanço na busca por soluções mais eficientes e céleres para os casos de improbidade administrativa.

Entretanto, o militar que se tornou réu em processo de improbidade administrativa deve ter cautela ao tomar a sua decisão de aceitar o ANPC. Isso porque, na minha óptica, em análise técnica e prática, o militar deve estar atento para as consequências advindas em duas situações:

1ª) Pode aceitar o ANPC, independentemente do valor do dano, quando não houver outros processos relacionados ao mesmo fato em andamento. O aceite do acordo nesse caso, encerrará o processo cível sem repercussão nas demais esferas; e

2ª) Deve negar o ANPC quando já estão instaurados outros feitos relacionados ao mesmo fato – processos de natureza administrativa (IPM; Sindicância; Tomada de Contas etc.), cível (reforma, revisão de pensão, indenização etc.) ou processo criminal (crime militar).

A não aceitação no segundo caso acima se dá pelos reflexos, diretos ou indiretos, que a decisão de aceitar o ANPC poderá ensejar nos demais processos em trâmite nas outras esferas de apuração, investigação, processo e julgamento.

Ademais, a jurisprudência e a doutrina ainda estão em desenvolvimento no que tange à aplicação do ANPC aos militares e suas repercussões. A busca por um equilíbrio entre a eficiência na recuperação de recursos públicos e a observância das particularidades da vida militar será crucial para a consolidação deste importante instrumento no ordenamento jurídico brasileiro.

Conclusão

A implementação do ANPC no âmbito castrense exige sensibilidade às peculiaridades da carreira militar e a necessidade de compatibilizar os objetivos do ANPC com os princípios da hierarquia, da disciplina e as normas específicas que regem a conduta dos militares.

É fundamental que a celebração do ANPC envolvendo militares seja avaliada caso a caso, considerando a natureza da conduta, o dano causado, a legislação específica e os regulamentos disciplinares.

A articulação entre as esferas administrativa, penal e civil é essencial para garantir a responsabilização adequada do militar que praticar atos de improbidade, sem prejuízo da manutenção da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas.

Se você se encontra em uma situação semelhante, não desista! Busque seus direitos. Consulte um advogado especializado em direito militar e lute pelo futuro financeiro que lhe foi prometido.

Deixe um comentário