Dosimetria da Pena

O LUCRO FÁCIL E A COBIÇA SERVEM COMO FUNDAMENTO PARA AUMENTAR A SANÇÃO? BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A DOSIMETRIA DA PENA.

Muito se questiona sobre a fixação da pena quando superada as fases da responsabilização criminal.

Não é tarefa simples para o juiz definir a sanção concreta a ser aplicada ao sentenciado. Por isso, é muito importante o advogado conhecer profundamente o sistema de aplicação da pena, identificar as falhas e buscar a redução da sanção.

No Brasil, a dosimetria da pena segue o modelo trifásico, adotado pelos Código Penal comum e pelo Código Penal Militar. Nesse sistema, a PRIMEIRA FASE consistirá na fixação da pena-base; a SEGUNDA FASE levantará as circunstâncias atenuantes e as agravantes; e a TERCEIRA FASE aplicará causas de diminuição ou de aumento da pena.

Nessa primeira parte, descreveremos sobre a fixação da pena-base.

A APLICAÇÃO DA PENA-BASE: CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (1ª FASE)

Como dito, não é tarefa fácil aplicar o sistema trifásico.

Segundo o art. 68 do CP comum, a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código (1ª FASE); em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes (2ª FASE); por último, as causas de diminuição e de aumento (3ª FASE). Esse sistema foi desenvolvido pela saudoso jurista Nélson Hungria.

No CP comum, o art. 59 traz 8 requisitos, sobre os quais o juiz deverá analisar na 1ª FASE: 1) culpabilidade; 2) antecedentes; 3) personalidade do agente; 4) conduta social; 5) motivos; 6) circunstâncias; 7) consequências do crime; e 8) comportamento da vítima.

No CPM, o art. 69 estabelece 10 requisitos: 1) a gravidade do crime praticado; 2) a personalidade do réu; 3) a intensidade do dolo ou grau da culpa; 4) a maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano; 5) os meios empregados; 6) o modo de execução; 7) os motivos determinantes; 8) as circunstâncias de tempo e lugar; 9) os antecedentes; e 10) atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime.

Nesses pontos, é muito importante o advogado atentar para a diferença na quantidade de circunstâncias judiciais, caso o seu constituído estiver sendo processado por crime comum ou militar. Isso porque o juiz deve apreciar cada uma delas para valorar a fixação da pena-base nessa primeira fase.

Se houver uma circunstância judicial que possa favorecer o seu constituído e não tiver sido aplicada, pode-se apontar essa falha ao tribunal, requerendo a redução da reprimenda.

CASO CONCRETO: O LUCRO FÁCIL E A COBIÇA

Vejamos os parâmetros das penas dos crimes de corrupção passiva e de concussão em ambos os diplomas penais:

Corrupção passiva – Código Penal

Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Corrupção passiva – Código Pena Militar

Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Concussão – Código Penal

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Concussão – Código Pena Militar

Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Percebe-se que a vantagem indevida são elementares expressamente descritas e o ponto comum nesses 4 delitos. Todavia, os termos “lucro fácil e cobiça” não aparecem nos referidos crimes.

Então, se o juiz, no caso concreto, aumentar a pena do réu pelo fato de ter buscado o “lucro fácil” e a ”cobiça”, servindo esses termos como motivos desfavoráveis na primeira fase da dosimetria da pena, a defesa deve atacar a sentença.

O STJ considerou que a obtenção de “lucro fácil” e a “cobiça” são elementares dos tipos penais de corrupção passiva e concussão, havendo vício na fundamentação da sentença se forem usados como motivos determinantes para o cometimento dos referidos crimes, logo a pena imposta deve ser reduzida. (STJ. 3ª Seção. EDv nos EREsp 1.196.136-RO. Relator Ministro Dr. REYNALDO SOARES DA FONSECA. Julgamento 24.5.2017).

Esse entendimento também deve ser suscitado pelo advogado em favor do seu constituído, se estiver respondendo por crime no âmbito da Justiça Militar da União, pois os motivos determinantes são circunstâncias judiciais previstas no art. 69 do CPM.

CONCLUSÃO

É importante a defesa estar atenda a cada palavra descrita na sentença condenatória para poder identificar circunstâncias externas que podem qualificar o tipo penal.

A pena-base, como o próprio nome revela, é a fração inicial do quantum que servirá de parâmetro para a fixação da condenação final do réu.

Por essa razão, a ignorância desses dados por parte do advogado pode ensejar consequências indesejáveis ao seu constituído, no tocante à restrição de sua liberdade.

Como visto, o fato de o réu visar ganhar dinheiro por meio do “lucro fácil” ou da “cobiça” não pode ser motivo para elevar a pena-base acima do mínimo de 2 (dois) anos.

Se a pena foi acima desse patamar, tendo sido usada essa fundamentação, cabe a defesa buscar a imediata revisão dessa sanção, seja em que fase estiver o processo de seu constituído.

Vale lembrar que a pena elevada acima de dois anos, além do maior tempo para o seu cumprimento, enseja na perda do cargo público (servidores civis) e da patente para os militares, daí a importância do tema.

O estudo e o acompanhamento da evolução da jurisprudência permitirá à defesa de forma eficaz, quando atenta, manejar os meios adequados para questionar as possíveis falhas na aplicação da pena.

À vista disso, o melhor antídoto para minimizar os estragos que o caos pode causar à vida da pessoa é enfrentar a realidade, buscando uma defesa técnica de qualidade.

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